quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O tempo e os livros



Houve uma época, antes e depois do Renascimento e do Iluminismo, que os Estados e os governantes se esmeravam em organizar grandes bibliotecas, assim entendida a reunião dos livros (”biblos”) num espaço próprio para sua estocagem, “theke”, ou “o depósito”.

Júlio César morreu assassinado, em 44 a.C., antes de construir uma grande biblioteca romana, consumada por Trajano, a “Úlpia”, no século 2 depois do Redentor.

Mesmo durante a treva da Idade Média, os livros jamais ficaram órfãos. Justiniano ergueu bibliotecas bizantinas no Cairo, em Bagdá, em Bassora. Na Espanha muçulmana, ficaram famosas as de Córdoba, Granada e Toledo.

Na Renascença, consolidaram-se as bibliotecas Real, na França, e a Escorial, na Espanha. Na Itália, ganharam posteridade a Marciana e a Laurenciana, de Florença, e a Vaticana, às margens do rio da Cidade Eterna.

Tão zelosas de seus livros eram as comunidades renascentistas que se tornou notável a advertência, inscrita na biblioteca do Mosteiro de São Pedro, em Barcelona:

- Para aquele que rouba ou toma emprestado e não devolve um livro de seu dono, que o livro se transforme em serpente em suas mãos e o envenene. Que as traças corroam suas entranhas como o verme que não morreu. E quando for ao julgamento final, que as chamas do Inferno o consumam para sempre.

No século 20, não houve regime, iluminista ou obscurantista, que não cultivasse as suas bibliotecas, das quais são paradigmas a do Museu Britânico, a da Academia Francesa, a de Lenin e do Hermitage.

Para os livros, nunca houve Idade Média. Conta a lenda que, de tão afeiçoado aos seus livros, um grão-vizir da Pérsia carregava todos os seus volumes quando viajava. Acomodava sua biblioteca em 400 camelos, treinados para andar em ordem alfabética…

Eram outros tempos, sem dúvida. Hoje, há autoridades que preferem montar num camelo e fugir dos livros, como o diabo foge da cruz.

Ainda há tempo de recolher o projeto de lei que “bane” a Biblioteca Pública do Estado para o deserto da Prefeitura, onde há meses nada prospera, a não ser a dúvida hamletiana de “para qual partido vai o prefeito, se o governo não contemplá-lo com verbas”.

Não há dilemas a resolver quando se trata de manter uma biblioteca em bom funcionamento. É uma questão de humanismo. Ou alguém nas cercanias de Capitol Hill, nos Estados Unidos, pensou em transferir para a União, ou em descentralizar para o município de Washington DC, o domínio e a manutenção de um dos maiores patrimônios mundiais, a Biblioteca do Congresso americano?

Por que não se associam governo e prefeitura para conspirar a favor das bibliotecas, criando incentivos no plano fiscal, no Estado e no município, não só para melhorar a atual Biblioteca Pública, como para fundar uma nova, municipal?

Em São Paulo - que hospeda uma considerável dívida pública - prosperam bibliotecas exemplares, como a Mário de Andrade, mantida pela prefeitura, a da USP e inúmeras outras da rede estadual.

Que tal tratar nossa Biblioteca Pública Estadual como um bem patrimonial de todos os catarinenses? De resgatá-la para o século 21 e de investir em um plano de carreira para os seus bibliotecários?
Que tal conduzir esse camelo para um Oásis - e não deixá-lo encalhado numa tempestade de areia, sem água e sem bom senso?

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