O escritor colombiano Gabriel García Márquez, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1982, morreu nesta quinta-feira (17), aos 87 anos, em sua residência na Cidade do México. O autor de clássicos da literatura universal como "Cem Anos de Solidão", que enfrentou um câncer linfático em 1999, chegou a ser internado no mês passado com infecção pulmonar e a saúde bem debilitada. A causa oficial da morte ainda não foi divulgada.
Em sua página do Twitter, a jornalista e amiga
Fernanda Familiar confirmou a morte do escritor: "Deixa de bater o coração
de Gabriel García Márquez", escreveu ela na rede social. Um dos primeiros
a repercutir a perda foi o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, que
decretou luto. "Mil anos de solidão e tristeza pela morte do
maior colombiano de todos os tempos", disse o representante do país.
Considerado
o escritor de língua espanhola mais popular desde Miguel de Cervantes, no
século 17, García Márquez alcançou celebridade literária que gerou comparações
com clássicos das letras universais como Mark Twain e Charles
Dickens. Suas obras ficcionais extravagantes e melancólicas --entre elas
"Crônica de uma Morte Anunciada", "O Amor nos Tempos do
Cólera" e "Outono do Patriarca"-- superaram em vendas qualquer
outra publicação em língua espanhola, com exceção da Bíblia.
O romance
épico "Cem Anos de Solidão" vendeu mais de 50 milhões de cópias em
mais de 25 idiomas. Publicado em 1967, é um dos exemplos principais do chamado
realismo fantástico e marcou um boom da literatura latino americana que durou
duas décadas. A obra narra a saga de gerações da família Buendí e foi "o
primeiro romance em que os latino-americanos se reconheceram, que os definiu,
que celebrou sua paixão, sua intensidade, sua espiritualidade e superstição,
sua grande propensão ao fracasso", disse o biógrafo Gerald Martin à
agência Associated Press.
Ao
receber o Nobel, em 1982, García Márquez descreveu a América Latina como uma
"fonte de criatividade insaciável, cheia de tristeza e beleza, do qual
este errante e nostálgico colombiano não é mais que uma fração, destacada pelo
destino. Poetas e mendigos, músicos e profetas, guerreiros e malandros, todas
as criaturas daquela realidade desenfreada, deixaram pouco a extrair da
imaginação, porque nosso problema crucial tem sido a falta de meios
convencionais para tornar nossa vida verossímil".
Biografia
Gabo,
como era carinhosamente chamado, nasceu no dia 6 de março de 1927, em
Aracataca, na Colômbia. Criado pelos pais de sua mãe, cresceu ouvindo as
histórias de seu avô, Nicolas Márquez, veterano da Guerra Civil colombiana,
enquanto sua avó, Tranquilina Iguarán, costumava lhe contar lendas que
misturavam fantasia e realidade. Essas narrativas foram fundamentais para que
mais tarde o garoto se tornasse escritor.
As
histórias de seus avós se tornariam também material para a ficção de García
Márquez, e Aracataca inspirou Macondo, a vila cercada por plantações de banana
no pé das montanhas da Sierra Nevada, onde "Cem Anos de Solidão" se
passa. "Minha família me contou muitas vezes que comecei a recontar
histórias e coisas assim quase desde que nasci", contou García Márquez em
uma entrevista. "Desde que comecei a falar".
García
Márquez foi enviado a um internato estatal na região de Bogotá, onde se
tornou um estudante exemplar e leitor voraz, com preferência por Hemingway,
Faulkner, Dostoiévski e Kafka. Ele publicou sua primeira obra de ficção, como
estudante, em 1947, enviando um conto ao jornal "El Espectador"
depois que seu editor literário escreveu que "a geração mais jovem da
Colômbia não tem mais nada a oferecer em termos de boa literatura".
Na
juventude, começou a faculdade de direito, após pressão do pai, na Universidade
Nacional, em Bogotá, mas logo abandonou o curso e rumou para o jornalismo.
Tornou-se um dos primeiro críticos de cinema da Colômbia e passou a ter uma
importante influência na cena cultural do país. Na profissão, trabalhou em
países como Venezuela, Cuba e Estados Unidos, o que ajudou a forjar a sua
consciência esquerdista – por conta dela, viria a ter frequentes conflitos com
um outro Nobel, o peruano Mario Vargas Llosa.
Enquanto
atuava em jornais, esboçou os seus primeiros contos e uma extensa reportagem
sobre o sobrevivente de um naufrágio na costa colombiana resultou no livro
"Relato de um Náufrago", hoje tido como um exemplo de bom jornalismo
literário. Ao lado de escritores incluindo Norman Mailer e Tom Wolfe, García
Márquez também foi um pioneiro da narrativa de não-ficção que se tornaria
conhecida como New Journalism ou Novo Jornalismo.
García
Márquez sofreu uma forte represália oficial à sua história sobre como a
corrupção do governo contribuiu para o desastre narrado em "Relato de um
Náufrago". A ditadura tomou o poder e García Márquez se transferiu para a
Europa. Depois de visitar a parte oriental controlada pelos soviéticos,
mudou-se para Roma em 1955 para estudar cinema, uma paixão que manteve por toda
a vida. Em seguida, mudou-se para Paris, onde viveu entre os intelectuais e
artistas exilados de muitas ditaduras latino-americanas da época.
Ele voltou
à Colômbia em 1958 para casar-se com Mercedes Barcha, sua vizinha de infância,
com quem teve os filhos, Rodrigo, que é diretor de cinema, e Gonzalo, designer
gráfico. Em 1960, muda-se para o México e intensifica sua produção artística.
Em 1961, lança "Ninguém Escreve ao Coronel" e, em 1962, "O
Veneno da Madrugada", que lhe renderia, na Colômbia, o Prêmio Esso de
Romance. "Cem Anos de Solidão" chegaria em 1967 para consagrá-lo como
grande romancista.
Sua
obra-prima faz com que seus lançamentos passem a ser tomados por grande
expectativa e coloca a América Latina e o Realismo Fantástico no centro do
cenário literário mundial. Conseguiu ainda emplacar outros grandes sucessos,
como "Crônica de Uma Morte Anunciada", de 1981, "O Amor nos
Tempos de Cólera", de 1985, e "Notícias de um Sequestro", de
1996. Seu último romance, "Memórias de Minhas Putas Tristes", foi
publicado em 2004.
Pobre
e esfarrapado durante grande parte de sua vida adulta, García Márquez foi
transformado por sua fama e riqueza tardias. Um "bon vivant" com
personalidade travessa, o escritor era um anfitrião gracioso, que contava
histórias longas, com animação, para os hóspedes. Ferozmente protetor de sua
imagem, uma característica compartilhada por sua esposa, ele ocasionalmente se
rendia a um temperamento explosivo quando se sentia menosprezado ou deturpado
pela imprensa.
O
autor, com suas sobrancelhas grisalhas e espessas e seu bigode branco, passou
mais tempo na Colômbia em seus últimos anos, fundando seu instituto de
jornalismo na cidade portuária de Cartagena, onde mantinha uma casa. Em 1998,
já em seus 70 anos, García Márquez realizou um sonho, ao usar o dinheiro de seu
Nobel para se tornar acionista majoritário da revista colombiana
"Cambio". Antes de adoecer com câncer linfático em junho de 1999, o
autor contribuiu prodigiosamente para a revista. "Eu sou um jornalista.
Sempre fui um jornalista", disse à AP na época. "Meus livros não
poderiam ter sido escritos se eu não fosse jornalista, porque todo o material
foi retirado da realidade".
O homem político
Como
muitos escritores latino-americanos, García Márquez transcendeu o mundo das
letras. Desde cedo, Gabo tornou-se um herói para a esquerda latino-americana,
aliando-se cedo ao líder revolucionário cubano Fidel Castro e criticando as
intervenções violentas de Washington, do Vietnã ao Chile. Seus textos
perfilaram o ex-presidente da Venezuela, Hugo Chávez, além de retratarem como
traficantes de cocaína liderados por Pablo Escobar abalaram o tecido social e
moral de sua Colômbia natal, sequestrando membros da elite, tema de
"Notícias de um Sequestro".
A
escrita de García Márquez foi constantemente informada por seus pontos de vista
esquerdistas, forjados em grande parte por um massacre de militares a
trabalhadores bananeiros em greve contra a United Fruit Company (mais tarde,
Chiquita) em 1928, perto de Aracataca. Ele também foi muito influenciado pelo
assassinato, 20 anos mais tarde, de Jorge Eliécer Gaitán, candidato
presidencial esquerdista em ascensão.
1980 - Gabriel Garcia Marquez e Fidel Castro |
Ao longo da vida, García Márquez recusou ofertas de postos diplomáticos e tentativas
de o lançar à presidência da Colômbia, embora tenha se envolvido nos bastidores
das negociações de paz entre o governo da Colômbia e os rebeldes de esquerda.
Os últimos anos
Os últimos anos de vida de Gabo foram marcados por relatos sobre problemas de memória ,
que não foram confirmados oficialmente. As aparições públicas de García Márquez
também foram mais escassas, apesar de ele continuar a socializar com amigos.
Em março deste ano, quando fez 87 anos, o escritor foi homenageado diante da
imprensa por amigos e simpatizantes, que lhe deram bolo e flores do lado de
fora de sua casa, em um bairro de elite na Cidade do México. Na ocasião, o
autor mostrou-se sorridente, recebeu presentes e tirou fotos, mas não falou com
os jornalistas. Nos últimos anos, restringiu ao máximo suas aparições em
público e declarações por motivos de saúde.
Fonte: UOL Entretenimento
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